Crítica | "Kpop Demon Hunters" (2025)
- Igor Biagioni Rodrigues
- há 2 horas
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K-Pop, Identidade e Demônios!
Por Igor Biagioni Rodrigues

A Coreia do Sul, nos últimos anos, vem protagonizando um grande fenômeno na exportação de seus produtos culturais ao redor do globo, seja por meio de manhwas, doramas e, é claro, do K-pop. O K-pop, abreviação de Korean pop, é um movimento cultural e musical originado na Coreia do Sul que mistura diferentes estilos musicais com visuais marcantes e coreografias elaboradas. Nos últimos anos, tornou-se um fenômeno global, conquistando milhões de fãs, dominando premiações e lotando shows. Além de seu impacto artístico, o K-pop se consolidou como um importante motor econômico e turístico para a Coreia do Sul, sendo valorizado pelo próprio governo como um investimento cultural de alto retorno.
Por trás desse sucesso, está o rigoroso sistema de agências e treinamento. Jovens aspirantes a ídolos (os chamados idols) passam por seleções competitivas e anos de preparação intensiva, que envolvem canto, dança, atuação e até idiomas. Muitos deles nunca chegam a estrear, mas os que conseguem se destacar encontram uma indústria altamente estruturada e voltada para o estrelato internacional.
Surfando nessa onda, a Sony Pictures Animation, com distribuição pela Netflix, criou "KPop Demon Hunters" ("Guerreiras do K-Pop", na versão brasileira), uma animação visualmente deslumbrante, impactante e repleta de músicas viciantes, que consegue encantar mesmo com seus tropeços narrativos.

Em "Guerreiras do K-Pop", Rumi, Mira e Zoey brilham como integrantes de um famoso girl group, as Huntr/x, que arrastam multidões. Mas, longe dos palcos, suas coreografias dão lugar a batalhas secretas: elas são caçadoras de demônios que enfrentam missões perigosas para proteger o mundo, utilizando a música para evitar que o Honmoon, véu que separa nossa realidade do mundo demoníaco, seja destruído. O equilíbrio entre fama e dever é colocado à prova quando surge um grupo rival de K-pop formado por misteriosos ídolos masculinos que, na verdade, escondem sua natureza demoníaca. Como se não bastasse, Rumi precisa enfrentar seus próprios conflitos internos ao esconder um segredo capaz de transformar para sempre sua relação com as amigas.
A animação é um verdadeiro banquete visual. Sua estética é claramente inspirada em Aranhaverso, animes, webtoons e clipes musicais de K-pop, apresentando cortes rápidos, enquadramentos inusitados, coreografias impressionantes e, claro, gags visuais com expressões caricaturais dos personagens.

Vale destacar também que toda a estética do filme remete ao Camp. A estética camp é marcada pelo exagero, pela teatralidade e pela valorização do que é considerado artificial ou fora do comum. Em vez de buscar sobriedade e elegância tradicional, celebra o excesso, as cores vibrantes, os gestos grandiosos e o humor irônico, muitas vezes em tom de paródia. Fortemente associada à cultura queer, o camp transforma o incomum em algo criativo e sofisticado, desafiando normas sociais e de gosto. Esse olhar foi amplamente discutido por Susan Sontag em seu ensaio “Notes on Camp” (1964), que se tornou referência para compreender como o estilo subverte convenções e eleva o extravagante ao status de arte. Para melhor compreensão deixo aqui um excelente texto do cineasta e crítico de cinema, Arthur Tuoto.

Como mencionado, a narrativa apresenta certo desequilíbrio, principalmente pela duração da obra. Em 95 minutos, realmente é difícil desenvolver a mitologia de um novo mundo, explorar devidamente não só a protagonista, mas também suas companheiras (Rumi recebe o maior destaque, enquanto Zoey e Mira funcionam mais como escada e alívio cômico) e ainda resolver o conflito central da trama.
Apesar disso, a proposta narrativa é criativa. Rumi, ao esconder sua origem demoníaca, enfrenta questões de identidade e aceitação. Além disso, a animação funciona tanto como homenagem ao universo do K-pop quanto como crítica a ele. Os vilões, os Saja Boys, formam uma boy band demoníaca que, na batalha final, performa no estilo mais “espetáculo/show” possível. Já Rumi, Zoey e Mira só conseguem vencê-los quando cantam mostrando sua verdadeira essência.

O grande destaque do filme, porém, está em suas músicas. Existe a ideia de que trilhas sonoras em animações servem apenas para intensificar emoções ou situações, mas aqui as canções são diegéticas, ou seja, fazem parte da própria narrativa, afetando personagens e mundo. A trilha reúne composições originais de Marcelo Zarvos e músicas de outros artistas, incluindo o grupo TWICE. A produção musical contou com Teddy Park (conhecido pelo trabalho com BLACKPINK), além de Lindgren, Stephen Kirk, Jenna Andrews (colaboradores de BTS e TXT) e Ian Eisendrath. O resultado são faixas envolventes e altamente viciantes.
Em suma, "Guerreiras do K-Pop" é um clipe musical de mais de 90 minutos que impressiona pelo visual, pelas canções marcantes, pelas cenas de ação e por personagens cativantes. Ao mesclar elementos do folclore sul-coreano com temas de identidade, aceitação e crítica a uma indústria que devora seus próprios artistas, o filme consegue divertir e, ao mesmo tempo, prestar homenagem ao gênero musical que o inspira.
Para quem só se importa com números:
Nota- 8/10.
Ficha Técnica:
Título Original: KPop Demon Hunters
País de Origem: Estados Unidos
Roteiro: Danya Jimenez, Hannah McMechan, Maggie Kang, Chris Appelhans
Direção: Chris Appelhans, Maggie Kang
Classificação: 10 anos.
Duração: 95 min.
Elenco:
Arden Cho como Rumi
May Hong como Mira
Ji-young Yoo como Zoey
Ahn Hyo-seop como Jinu
Yunjin Kim como Celine
Ken Jeong como Bobby
Lee Byung-hun como Gwi-Ma
Daniel Dae Kim como Healer Han
Joel Kim Booster como Romance Saja
Liza Koshy como Apresentadora
Alan Lee como Mystery Saja
SungWon Cho como Abs Saja
Versão Brasileira:
Estúdio: MGE Estúdio
Analu Pimenta como Rumi
Clara Portella como Rumi (criança)
Vic Brow como Mira
Taís Feijó como Zoey
Thadeu Matos como Jinu
Márcia Coutinho como Celine
Klayton Alegre como Bobby
Alexandre Moreno como Dr. Han
Guilherme Briggs como Gwi-Ma
Felipe Drummond como Abby "Abs" Saja
João Cappelli como Romance Saja
Eduardo Drummond como Mystery Saja
Marcus Eni como Baby Saja
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