Crítica | Frankenstein (2025)
- Igor Biagioni Rodrigues

- 12 de nov.
- 4 min de leitura
Quem é o verdadeiro monstro? A versão barroca do clássico pelos olhos de del Toro.
Por Igor Biagioni Rodrigues.

Contém spoilers!
Desde o clássico filme de 1931, Frankenstein, a obra-prima de Mary Shelley ganhou inúmeras adaptações, e chegou a vez de ninguém menos que Guillermo del Toro dar vida à sua própria versão do clássico gótico. O diretor sempre afirmou que este era o filme que nasceu para fazer, tendo lutado por mais de 30 anos para que o projeto ganhasse forma. Obcecado como o próprio Victor Frankenstein, del Toro finalmente conseguiu dar vida à sua “criatura”. Mas o resultado final, embora seja uma síntese temática de toda a carreira do diretor, é digno do amor que ele nutre por essa história?
Nesta releitura do clássico de Shelley, del Toro revive a tragédia do cientista brilhante e egocêntrico que ousa brincar de Deus ao criar uma forma de vida artificial em nome da ciência. O que começa como a concretização de um sonho logo se transforma em pesadelo, quando a criatura, rejeitada e abandonada, volta-se contra o criador em busca de vingança e reconhecimento. O resultado é uma narrativa sobre ambição, culpa e o desejo humano de transcender seus próprios limites. Temas que del Toro transforma em uma poesia sombria, teatral e visceral.
A história tem início na imensidão gelada do Ártico, em 1857, quando o navio dinamarquês do Capitão Anderson (Lars Mikkelsen) fica preso no gelo. Em meio ao desespero, a tripulação encontra um homem à beira da morte: Victor Frankenstein, interpretado por Oscar Isaac em uma atuação marcada pela culpa e pela loucura. Pouco depois, a embarcação é atacada por uma criatura de força sobre-humana e corpo coberto por cicatrizes, vivida por Jacob Elordi com intensidade comovente. É nesse confronto entre o criador moribundo e o ser que não pode morrer que del Toro constrói sua versão de Frankenstein. A partir desse reencontro, a narrativa se divide em dois grandes capítulos: o relato de Victor, que revisita o nascimento da criatura, e o da própria criatura, que descobre sua consciência e dor existencial.

Disse acima que o longa é uma síntese temática de toda a carreira do diretor e acredito que seja assim porque tudo o que del Toro explorou em outros projetos aparece aqui de forma amalgamada: o monstro incompreendido, o romance e a tragédia nos moldes góticos, e o eterno embate entre Criador e Criatura (tema que ele já havia trabalhado com maestria em seu excelente Pinóquio). A paixão do cineasta pelo material original é indiscutível, e sua releitura acerta em cheio no que há de mais potente no livro, algo que não acontecia desde o filme da Universal, não é um filme de terror, mas um filme filosófico sobre ambição e loucura, abandono e pertencimento, vida e morte, ciência e religião.
Essas discussões são a base do filme, dividido em duas partes. O conto de Victor é um drama gótico que expõe a obsessão febril e doentia de um homem ferido por seu passado (o pai abusivo, a perda da mãe, a separação do irmão) e que acredita poder vencer a morte para provar seu amor e se colocar acima de Deus por meio da ciência. Já a segunda parte, narrada pela criatura, é conduzida com lirismo e melancolia, mostrando sua busca por conhecimento e compreensão do mundo. Se Oscar Isaac entrega uma excelente performance como o homem ambicioso e atormentado, Jacob Elordi se destaca ainda mais: depende fortemente do corpo e da expressão para transmitir emoção e nos fazer crer na humanidade de um ser que não nasceu e que está aprendendo o que é viver. Suas cenas na natureza, descobrindo a neve, alimentando animais, aprendendo a falar, são um respiro poético no meio da tragédia.
Vale destacar também a forte dimensão religiosa do longa, que se aproxima do barroco ao retratar tantas dualidades, especialmente pelas citações bíblicas e metáforas visuais de crucificação, e pelo uso simbólico do fogo ora expurgo (da humanidade de Victor), ora renascimento (da Criatura), ora purificação (de quem?).
Esse amor de del Toro pelo cinema se manifesta também na mise en scène (a forma como todos os elementos visuais: cenário, figurino, iluminação, atuação e enquadramento são organizados em cena para expressar estética e significado). Basta observar, por exemplo, a torre: o diretor utiliza lentes grande-angulares que nos permitem apreciar cada detalhe do cenário, cuidadosamente posicionado. Os enquadramentos reforçam a sensação de estarmos assistindo a uma peça teatral grandiosa e meticulosamente coreografada.

Entretanto, por mais incríveis que sejam os sets e a maquiagem, o filme parece carecer de um investimento maior, o que resulta em alguns cenários com CGI que destoam do restante. Além disso, a iluminação excessivamente limpa e dura contrasta com a atmosfera gótica que o longa tenta reproduzir.
Outro ponto fraco está nos coadjuvantes. Henrich Harlander, vivido por Christoph Waltz, é completamente desperdiçado. Ele serve apenas como financiador de Victor e logo é retirado da trama. O mesmo ocorre com William. Mas o maior desperdício é, sem dúvida, Elizabeth, interpretada por Mia Goth. A atriz, conhecida por suas atuações intensas na trilogia X, aqui fica à espera de um texto que nunca lhe dá uma cena digna de seu talento/potência. Sua personagem poderia ter sido muito mais explorada, e sua relação com a criatura acontece tão rapidamente como se encerra.

Ainda assim, o trunfo de del Toro é maior que a soma de seus erros. Ele entrega um filme que sintetiza suas obsessões temáticas, criando um drama gótico sobre dor, violência, amor, perda e pertencimento... Mas, acima de tudo, sobre perdão. Ao estar em seu leito de morte (essa que jurou vencer) e pedir perdão à criatura que desprezava (imortal, que desejava mais que tudo morrer), Victor oferece a ambos não o que mais queriam, mas o que mais precisavam: humanidade. O final é um alento. Em meio ao gelo e ao fogo, não há paz para nenhum dos dois, mas há compreensão. Um ódio que se transforma em amor, e um amanhã que renasce.
Para quem só se importa com números:
Nota- 7/10.
Ficha Técnica:
Título Original: Frankenstein
País de Origem: Estados Unidos
Roteiro: Guillermo del Toro (baseado em obra de Mary Shelley)
Direção: Guillermo del Toro
Classificação: 18 anos.
Duração: 150 min.
Elenco:
Oscar Isaac como Victor Frankenstein
Jacob Elordi como A Criatura
Mia Goth como Elizabeth
Christian Convery como William Frankenstein
Christoph Waltz como Heinrich Harlander
Lars Mikkelsen como Capitão Anderson
Felix Kammerer como Henry Clerval
Charles Dance como Barão Frankenstein
David Bradley como Dr. Waldman
Lauren Collins como Justine Moritz







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