Crítica | Superman (2025)
- Igor Biagioni Rodrigues
- 23 de jul.
- 7 min de leitura
O Superman Woke e a Era de Prata.
Por Igor Biagioni Rodrigues.

Esse texto não possui spoilers!
No fundo do poço…
Em 2022, foi anunciado que o universo cinematográfico da DC Comics passaria por uma grande reformulação, e que Peter Safran e James Gunn seriam os responsáveis por liderar esse novo projeto ambicioso. Gunn, além de co-CEO, seria o encarregado de escrever e dirigir alguns dos novos filmes, séries e animações (como se espera de um verdadeiro workaholic). Mas como iniciar esse novo universo nos cinemas? A resposta, claro, seria: com o primeiro e maior super-herói de todos, o Superman.
Mas James Gunn não teria uma missão fácil. Já não bastasse o desgaste do subgênero dos filmes de super-heróis (ou já podemos considerá-lo um gênero?) após mais de quinze anos como a mina de ouro de Hollywood, além doo fato da DC nunca ter conseguido alcançar o mesmo brilho com um universo compartilhado como a Marvel, uma vez que os filmes do estúdio compunham um universo confuso, sem planejamento, que vivia à sombra de Zack Snyder (o falecido DCEU). Como se isso não fosse suficiente, o Superman não ganhava um filme solo desde 2013, e a visão niilista que vinha sendo atribuída ao personagem em diversas mídias nos últimos anos só serviu para afastar ainda mais o público de uma figura tão essencial.
E, por fim, devido à falta de planejamento ou de uma comunicação interna mais eficiente por parte da Warner, alguém que prometia mudar a hierarquia de poder da DC atrapalhou ainda mais, trazendo Henry Cavill de volta como Superman em seu filme e alimentando expectativas que não seriam cumpridas. Isso só gerou mais frustração entre a legião de fãs do Superman de Cavill (as famosas viúvas do Cavill) e de Zack Snyder (sério… como alguém consegue atrapalhar tanto a cultura pop quanto esse cara?), ao descobrirem que Henry Cavill não seria mais o Superman e que um novo universo cinematográfico da DC estava sendo construído por Gunn e Safran (pois é… a hierarquia de poder realmente mudou).

É… mas James Gunn conseguiu. Entregou um filme que, sim, possui seus problemas, mas que apresenta um começo sincero para um novo universo compartilhado de super-heróis; e o melhor: com coração! O longa começa com o Superman esmurrado, ensanguentado e caído ao chão (uma metáfora clara do estado do personagem na cultura pop recentemente), e o que Gunn e sua equipe fazem é devolvê-lo à essência. Mais do que isso, o filme não tem vergonha de si nem de suas origens, parecendo, no melhor sentido possível, um quadrinho extremamente divertido.
O diretor e roteirista constrói um Superman que é mais homem do que super. Aborda temáticas políticas extremamente atuais e relevantes e (para aqueles que só pensam nisso) entrega ótimas cenas de ação e lutas empolgantes.

Tecnicamente falando, os atores David Corenswet, Rachel Brosnahan e, principalmente, Nicholas Hoult estão excelentes em seus papéis, assim como todo o núcleo do Planeta Diário e da Gangue da Justiça. A fotografia é colorida, trazendo um tom caloroso ao filme, e a trilha sonora é mais um acerto. Gostaria de destacar rapidamente algo que achei muito interessante: nas cenas de ação, especialmente quando o Superman voa em alta velocidade, a câmera parece ficar “atrasada” em relação a ele, como se estivesse tentando acompanhá-lo, representando de forma criativa sua velocidade.

Agora, permitam-me aprofundar em alguns pontos...
A Era de Prata e o novo Superman
Antes de abordar o início da Era de Prata, é importante compreender o que foi a Era de Ouro e como ela chegou ao fim. Esse período começou com a estreia do próprio Superman, na primeira edição da revista Action Comics, em 1938, durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, em um contexto anterior à Segunda Guerra Mundial.
Os super-heróis dessa época transmitiam mensagens de otimismo e esperança, com motivações simples e desafios cotidianos, enfrentando vilões pouco complexos. Paralelamente, as tiras de jornal exploravam histórias de investigação e mistério, que aos poucos abriram espaço para o terror. Os quadrinhos se tornaram extremamente populares, o que naturalmente chamou a atenção e a preocupação de muitos adultos, especialmente de setores mais conservadores, que enxergavam essa mídia como uma ameaça aos valores tradicionais.
Em 1954, o livro "A Sedução do Inocente", de Fredric Wertham, foi publicado. A obra apresentava trechos descontextualizados de quadrinhos populares, argumentando que aquelas histórias, aparentemente inofensivas, poderiam corromper os lares das chamadas “famílias tradicionais e de bem”. O livro teve grande repercussão, inclusive no meio educacional, e acabou contribuindo para a criação do Comics Code Authority, órgão de censura que impôs rígidas restrições e praticamente devastou boa parte das publicações da época. Assim, a Era de Ouro teve um fim amargo em 1958.

Com o aumento da vigilância sobre os quadrinhos, os autores buscaram alternativas para driblar a censura, optando por histórias menos politizadas e mais distantes da realidade. Uma das soluções encontradas foi ambientar as tramas em universos paralelos ou no espaço sideral. Ao se afastarem dos problemas terrenos, abriram caminho para a exploração de possibilidades infinitas no campo da fantasia.
A popularidade das HQs voltou a crescer, impulsionada pelo espírito da chamada “Era Atômica”, período em que o avanço científico e a corrida espacial passaram a influenciar diretamente os roteiristas. As histórias começaram a abordar viagens interplanetárias, explosões nucleares, civilizações alienígenas, experimentos genéticos, clonagem, robôs e inteligência artificial. Temas que antes poderiam soar complexos ou pouco atrativos para o público em geral. No entanto, os artistas e roteiristas os abordaram com criatividade, criando obras que marcaram época e redefiniram o modo como se enxergavam as histórias em quadrinhos, especialmente as de superaventura.

E quem parece dialogar perfeitamente com as temáticas da Era de Prata? Exatamente: "Superman" (2025). No filme, após se envolver em um conflito político internacional, vemos o herói enfrentando o desafio de conciliar suas duas identidades, sua origem alienígena como kryptoniano e sua criação como o humano Clark Kent, enquanto tenta compreender o que significa ser o Superman, uma pessoa boa e justa, nos dias de hoje.
Como mencionei anteriormente, o longa tem o tom de uma HQ. E me permitam fazer uma comparação (que será melhor compreendida por quem já viveu essa experiência): sabe quando você entra em uma banca ou livraria, compra um quadrinho aleatório e, ao começar a ler, percebe que pegou uma história que já está em andamento? É exatamente essa a sensação que o filme me causou. E isso não é um defeito. Assim como um bom quadrinho, ele oferece recordatórios com “a história até aqui”, situando o espectador no universo já estabelecido.
Além disso, o filme traz todos os elementos que compõem uma boa HQ da Era de Prata (ou não só dela): robôs, monstros, clones, outros super-heróis e, claro… o Krypto (poxa, esse cachorro carrega o filme nas costas!).

Woke?
O filme vem sendo criticado por parte do público mais conservador, que se sentiu ofendida ao ver o símbolo máximo do heroísmo representado como um imigrante ou ao identificar outras questões políticas abordadas na narrativa, classificando o longa como “woke”.
O termo “woke” passou a ser amplamente utilizado para descrever uma postura de consciência social e política, principalmente em relação à justiça racial, social e de gênero. Ganhou destaque com movimentos como o Black Lives Matter, sendo associado a pessoas que estão atentas às desigualdades e que questionam estruturas de opressão.
Com o tempo, porém, o termo se tornou polêmico. Grupos conservadores passaram a utilizá-lo de forma pejorativa para criticar o que consideram uma ideologia excessivamente politizada, que tenta impor valores progressistas e punir quem não os segue, por exemplo, por meio do “cancelamento”. Embora o termo tenha surgido como parte de uma luta por justiça e igualdade, foi distorcido por críticos, que o utilizam para deslegitimar movimentos sociais e progressistas, acusando-os de autoritarismo ou radicalismo.
Mas o que será que essas pessoas vão pensar ao descobrirem que os criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster, eram descendentes de imigrantes judeus e que o personagem foi concebido como um defensor dos fracos e oprimidos? O Superman, em qualquer mídia, sempre refletiu o momento político dos Estados Unidos — seja o pós-guerra, a Guerra Fria ou o descrédito político dos anos 2000. Portanto, não há nada mais atual do que retratar uma característica essencial do personagem: o fato de ser um imigrante, um forasteiro.

Aliás, esse é um dos grandes acertos do filme: abordar temas contemporâneos por meio de traços clássicos dos personagens como a imigração, um bilionário que domina o ambiente virtual e se julga superior, espalhando mentiras para inflar o próprio ego, atacar os diferentes e enriquecer. Além disso, há a valorização dos fatos e da verdade. Durante muito tempo, o jornalismo foi tratado nas histórias do Superman apenas como um disfarce para Clark Kent. Mas no longa, uma vez que uma das temáticas centrais é a busca pela verdade, não haveria forma melhor de abordá-la do que com uma ode a uma profissão cuja essência é justamente essa.
…Agora, para o alto e avante!
Como já disse, o filme tem seus problemas e está longe de ser perfeito. Há personagens e eventos demais que poderiam ser desenvolvidos com mais calma, mas acabam prejudicados pela duração do longa. Ainda assim, seus acertos superam as falhas. Resgatar a essência do personagem: alguém que valoriza toda forma de vida, que não resolve tudo na base da força, que acredita nas pessoas e as pessoas acreditam nele,é um feito importante, especialmente após uma década de desgaste da imagem do Superman, constantemente retratado como um deus distante, mais Super do que Homem. É reconfortante assistir a uma obra que espalha esperança e que te faz sair do cinema com um sorriso no rosto. É gratificante saber que este será o Superman de uma nova geração.
Em um mundo cínico, melancólico e frequentemente doloroso, ser gentil e bondoso é o novo punk rock.
Para quem só se importa com números:
Nota- 8/10.
Ficha Técnica:
Título Original: Superman
País de Origem: Estados Unidos
Roteiro: James Gunn
Direção: James Gunn
Duração: 129 min.
Classificação: 14 anos.
Elenco:
David Corenswet como Clark Kent / Kal‑El / Superman
Rachel Brosnahan como Lois Lane
Nicholas Hoult como Lex Luthor
Edi Gathegi como Michael Holt / Senhor Incrível
Anthony Carrigan como Rex Mason / Metamorfo
Nathan Fillion como Guy Gardner/Lanterna Verde
Isabela Merced como Kendra Saunders / Hawkgirl
Skyler Gisondo como Jimmy Olsen
Wendell Pierce como Perry White
Sara Sampaio como Eve
Pruitt Taylor Vince como Jonathan Kent
Neva Howell como Martha Kent
Beck Bennett como Steve Lombard
Mikaela Hoover como Cat Grant
Terence Rosemore como Otis
María Gabriela de Faría como Angela Spica / Engenheira
Alan Tudyk voz do Robô nº 4 (“Gary”)
Michael Rooker voz do Robô nº 5
Pom Klementieff voz da Robô nº 1
Bradley Cooper como Jor-El
Angela Sarafyan como Lara Lor
Frank Grillo como Rick Flag Sr.
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