Crítica: “Thunderbolts*” (2025)
- Igor Biagioni Rodrigues
- 1 de mai.
- 4 min de leitura
O que fazer com esse vácuo?
Por Igor Biagioni Rodrigues.

O que fundamentou o sucesso da Marvel? Mais especificamente, o que a Marvel dos anos 1960, a Marvel de Jack Kirby, Steve Ditko e Stan Lee (e tantos outros), fez de diferente com seus heróis? Humanizou-os. Mostrou que, por mais poderosos que fossem, também eram falhos, também eram humanos. "Thunderbolts*" faz o mesmo com seus personagens e com o próprio MCU.
Um grupo formado por anti-heróis é reunido para cumprir uma missão arriscada. A equipe, composta por Yelena Belova, Bucky Barnes, Guardião Vermelho, Fantasma, Treinadora e John Walker, é formada por indivíduos marginalizados e problemáticos que, após caírem em uma armadilha arquitetada por Valentina Allegra de Fontaine, diretora da CIA, acabam forçados a participar de uma operação ofensiva que os confrontará com seus traumas mais profundos e marcas do passado.
O (inteligente) marketing do filme tem insinuado que ele é diferente de tudo que a Marvel Studios já fez, e muito se vê na internet sobre como ele representa um retorno da "antiga" Marvel ao cinema. É válido dizer logo de cara que o filme não é brilhante, está longe de ser essa obra de teor “independente” e ainda possui vícios clássicos das produções do MCU. Mas seria injusto dizer que o filme não é interessante. E isso se deve justamente ao fato de que o longa possui uma temática, um subtexto que vai além da construção de um grupo de heróis formado por personagens de um escalão mais baixo da Marvel (bem mais baixo, aliás). Claro, as lutas e piadinhas estão ali como sempre (o que já parece inevitável em um blockbuster do tipo), mas o subtexto... esse sim é inteligente.

É um filme sobre pessoas falíveis, sobre tristeza, síndrome do impostor, sobre depressão. Comecei este texto perguntando o que a Marvel (dos quadrinhos) fez lá nos anos 1960 que diferenciava seus personagens dos grandes deuses da Distinta Concorrência, e respondi dizendo que era a humanidade desses personagens. Um adolescente tímido que sofria bullying na escola, tinha problemas financeiros e morava com a tia era o espetacular Homem-Aranha. Um bilionário egocêntrico, com problemas no coração e, mais tarde, com bebidas, era o invencível Homem de Ferro. Eram heróis com falhas em suas vidas pessoais, repletos de dilemas morais, e isso fez com que os leitores se conectassem fortemente com eles. "Thunderbolts*" traz exatamente isso: pessoas falhas, um grupo de perdedores repleto de problemas, principalmente psicológicos, que são extremamente comuns na sociedade contemporânea.
Florence Pugh carrega o filme nas costas. Ele poderia, inclusive, se chamar "Yelena e Cia.". É impressionante como a atuação de Florence é cativante, entregando uma Yelena consumida por um vazio após a perda da irmã. Vivendo a vida no automático, revezando entre trabalho e bebidas, imersa em um vazio existencial, sentindo-se num vácuo. Seu inteligente monólogo inicial serve como uma maneira metalinguística de “desprezar” as narrativas convencionais e medíocres dos filmes de super-heróis (alô, Capitão América: Admirável Mundo Novo!). Ela é a protagonista do filme, e não poderia haver escolha mais assertiva. É por meio do arco da personagem que enxergamos todos os outros, desde Bob até Bucky (que aparece de forma inicialmente deslocada, mas que tem, sim, um papel importante na relação de superação do passado e dos problemas atuais). Todos têm problemas relacionados a situações passadas de suas vidas e acreditam que isso os torna perdedores. A grande sacada do filme é justamente trabalhar com o fato de que essa dor, essa culpa, essa sombra que te consome não te define e que não apenas enfrentá-la, mas aceitá-la por mais que doa e atormente (de forma metafórica e literal no filme), é o melhor caminho para seguir em frente.
Em determinado momento, uma personagem cita uma frase do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard: “A vida só pode ser compreendida olhando para trás”. É, sim, um filme sobre o passado. Não só dos personagens, mas do MCU. Um MCU que vem sofrendo não apenas com seu passado recente, mas também com o presente consumido por suas próprias sombras, vítima da grandeza que criou e dos erros que cometeu, levando suas produções ao desgaste. O próprio logo do estúdio, na introdução, começa nas sombras, como prenúncio do que a película irá abordar. A parte técnica do filme também reflete isso, fugindo dos tons coloridos e apostando numa fotografia mais monocromática, num roteiro mais contido e introspectivo, que olha para si, e não para o macro (com exceção da segunda cena pós-créditos, que cumpre o papel protocolar de expansão do universo cinematográfico e prepara o terreno para os próximos filmes. Novamente, um ponto fraco em um filme que não precisava disso, mas...).

Enfim, o filme está longe de ser brilhante ou de mudar o status quo dos filmes do MCU quiçá do (sub)gênero de super-heróis. Como mencionei, os vícios da Marvel de quebrar momentos e discussões importantes com humor cansativo e piadas repetitivas ainda existem (além do fato de que a explicação do “*” no título poderia ser melhor trabalhada ao longo da trama, em vez de apenas aparecer nas artes dos créditos e depois ser jogada às pressas nas cenas pós-créditos, com uma elipse temporal). O futuro do MCU? Não me empolga. O próprio filme diz que, às vezes, ele pode ser pior do que o presente. Porém, o simples fato de optarem por trazer um tema interessante e humano e trabalhá-lo de maneira mais contida e sincera já serve como um respiro, um alento, em meio a esse vácuo.
Para quem só se importa com números:
Nota- 6/10.
Ficha Técnica:
Título Original: Thunderbolts*
País de Origem: Estados Unidos
Roteiro: Eric Pearson, Joanna Calo (baseado em história de Pearson)
Direção: Jake Schreier
Classificação: 14 anos.
Duração: 126 min.
Elenco:
Florence Pugh como Yelena Belova/Viúva Negra.
Sebastian Stan como Bucky Barnes/Soldado Invernal.
Wyatt Russell como John Walker/Agente Americano.
Olga Kurylenko como Antonia Dreykov/Treinadora.
Lewis Pullman como Bob.
David Harbour como Alexei Shostakov/Guardião Vermelho.
Hannah John-Kamen como Ava Starr/Fantasma.
Julia Louis-Dreyfus como Valentina Allegra de Fontaine.
Geraldine Viswanathan como Mel.
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