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Crítica: "A Substância" (2024)

  • Foto do escritor: Igor Biagioni Rodrigues
    Igor Biagioni Rodrigues
  • 24 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de fev.

Grotesco.

Por Igor Biagioni Rodrigues.

A Substância
"A Substância"- Divulgação

O filme A Substância, escrito e dirigido pela francesa Coralie Fargeat, tem dado muito o que falar — e com razão. O longa aborda temas extremamente pertinentes e atuais, além de renovar o body horror.


A película conta a história de Elizabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz que já foi extremamente famosa, mas que agora trabalha como apresentadora de um programa fitness na televisão. Um dia, após escutar uma conversa de seu produtor (Dennis Quaid) dizendo atrocidades sobre ela e seu corpo e afirmando que pretende demiti-la, Elizabeth acaba sofrendo um acidente de carro. No hospital, ela descobre que é uma candidata perfeita para um procedimento suspeito. Curiosa, segue as instruções dadas por um enfermeiro e, por meio de uma ligação, descobre que o procedimento consiste na aplicação da substância (referida no título), capaz de criar uma versão nova e aprimorada de si mesma. Elizabeth aceita embarcar nessa estranha e perigosa jornada e dá vida a Sue (Margaret Qualley), sua nova eu.


A Substância
Cena do filme "A Substância"/ Divulgação

O ótimo prólogo do filme já nos dá indícios da trama que iremos acompanhar. Desde a comemoração da colocação de sua estrela na Calçada da Fama até sua deterioração, é como se nos fosse dito que seguiríamos uma história de decadência e horror. O que era impensável era imaginar como toda essa jornada se desenrolaria ao longo do filme.

Anteriormente, mencionei que esse trabalho realmente merece toda a discussão que tem gerado por alguns fatores. Vamos a eles:


Temática: O filme se apresenta como uma crítica à própria indústria do cinema e à mídia em geral, que impõem uma extrema pressão por padrões de beleza e pelo culto à juventude, principalmente em relação às mulheres. A sociedade contemporânea exalta de maneira avassaladora a estética jovial e estabelece um padrão de beleza que interfere na vida das pessoas tanto psicologicamente quanto fisicamente.

Na indústria do entretenimento (e fora das telas também), a diferença de tratamento entre homens e mulheres no que diz respeito ao envelhecimento é evidente. Enquanto as mulheres são forçadas a acreditar que, após os 30 anos, suas carreiras estarão em declínio devido à escassez de papéis relevantes para essa faixa etária, os homens continuam recebendo papéis de destaque. Além disso, essa pressão estética leva à autodesvalorização das pessoas.


Direção:

Esse é o segundo longa-metragem de Coralie Fargeat, e aqui seu trabalho atinge um nível elevado de qualidade. A utilização de closes e enquadramentos que evitam ao máximo planos abertos, focando sempre em detalhes, cria uma sensação angustiante. Seja pelo nojo despertado em certas cenas, como a do produtor comendo camarões de forma espalhafatosa, ou pelos closes no corpo de Sue, há um sentimento constante de que ela não é uma pessoa, mas sim um amontoado de partes desejáveis sob um olhar masculino e misógino.


Design de Produção:

A direção de arte faz um excelente trabalho no filme, com o uso de cores extremamente vibrantes e uma edição de som que detalha e amplifica os sons daquele universo — desde um zíper sendo fechado até as buzinas de um carro —, tornando a experiência sensorial ainda mais intensa. Além disso, o excelente trabalho da equipe de maquiagem, com o uso de próteses, torna as cenas ainda mais perturbadoras do que qualquer CGI poderia fazer.


O Body Horror e o Novo Extremismo Francês:

O body horror (terror corporal) é um subgênero do terror que se destaca por explorar a manipulação, alteração e destruição do corpo humano sob diversas perspectivas. Ao contrário de outros subgêneros, que abordam monstros, entidades sobrenaturais ou medos psicológicos, esse tipo de terror concentra-se nos aspectos físicos e nas intensas reações emocionais que desperta. Suas características mais marcantes são a deformação e a mutação corporal, além de uma crise de identidade do protagonista.

Muito disso está presente na trama de A Substância. A decomposição do corpo de Elizabeth, a violência de Sue contra ela e vice-versa funcionam como uma metáfora para uma autofagia figurada, simbolizando a automutilação do próprio ser, tanto física quanto psicologicamente.


Além disso, o filme se enquadra no Novo Extremismo Francês, um movimento cinematográfico surgido nas últimas décadas, conhecido por seu conteúdo intenso, provocativo e frequentemente de extrema violência. Essas produções abordam temas radicais e controversos, incluindo violência explícita, sexualidade sem censura, a transgressão de tabus sociais e aspectos psicológicos perturbadores. Esse movimento gera bastante debate, pois, enquanto alguns o consideram uma forma ousada de romper com os limites éticos e estéticos do cinema, levando o público a prestigiar uma abordagem mais intensa da arte cinematográfica, outros o veem como desnecessariamente gráfico e perturbador. Esse é justamente o debate que A Substância suscitou.


Atuação:

Por fim, mas não menos importante, as atuações de Margaret Qualley e, principalmente, de Demi Moore tornam o filme ainda mais visceral. É impactante assistir à cena em que Elizabeth, interpretada por uma atriz de beleza indiscutível como Demi Moore, luta consigo mesma diante do espelho antes de um encontro. Um encontro que só acontecerá porque Sparkle está tão frustrada consigo mesma que acaba aceitando a validação de um homem por quem não tem nenhum interesse genuíno.


A Substância
Cena de "A Substância"/Divulgação

Vale ressaltar que o filme toca em um aspecto da própria vida de Moore, que passou por diversos procedimentos estéticos e, durante muito tempo, foi subvalorizada ou deixada de lado na indústria cinematográfica. Só alguém que viveu essa experiência poderia entregar uma atuação tão carregada de ódio e autopiedade.


Apesar de seu final bizarro e possivelmente até mesmo destoante do tom peculiar do longa, uma coisa é certa: você pode amar ou odiar A Substância, mas é impossível sair indiferente a ele.


Para quem só se importa com números:

Nota- 7/10.


Ficha Técnica:

Título original: The Substance

País de origem: Estados Unidos, França e Reino Unido

Roteirista: Coralie Fargeat

Direção: Coralie Fargeat

Classificação: 18 anos

Duração: 140 minutos


Elenco:

Demi Moore como Elisabeth Sparkle

Margaret Qualley como Sue

Dennis Quaid como Harvey

Hugo Diego Garcia como Diego

Gore Abrams como Oliver

4 comentários


Bino
Bino
01 de mar.

Belíssima crítica de Igor Biagioni Rodrigues. Ao ler sua crítica nos motiva a assistir o filme com mais interesse, com outras percepções que tornam prazerosas as cenas. A clareza de suas afirmações e bela redação, demonstra belíssima capacidade intelectual. Côn. Bino

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desenhandorecordat
desenhandorecordat
07 de mar.
Respondendo a

Muito obrigado pelo apoio!

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