Crítica: Emilia Pérez (2024)
- Igor Biagioni Rodrigues
- 14 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de fev.
Até que ponto isso é uma crítica?
Por Igor Biagioni Rodrigues

Inicialmente, pensei em escrever esta crítica sem envolver toda a polêmica que o filme vem causando desde o Globo de Ouro, mas isso se mostrou impossível. E é impossível porque o cinema é arte, e, como qualquer forma de arte, o contexto que o envolve é extremamente significativo para sua construção e existência. Mas, mesmo que eu conseguisse isolar este filme em uma bolha, ignorando todo o contexto no qual ele se insere… ainda assim, o resultado passaria longe de ser positivo. Quero deixar claro a dificuldade de escrever este texto pelo simples motivo de que, como o filme chegou aos circuitos comerciais brasileiros logo após o início de todas essas polêmicas, é difícil mensurar o quanto isso afetou minha experiência ao assisti-lo e analisá-lo. Acho que nunca terei essa resposta, mas deixo uma pergunta: até que ponto minha crítica é válida?
Enfim, vamos ao texto propriamente dito. O longa conta a história de Rita (Zoe Saldaña), uma advogada extremamente competente, porém subestimada, que trabalha em um escritório que acoberta crimes. Após mais uma audiência, ela recebe uma proposta irrecusável de Manitas (Karla Sofía Gascón), um líder de cartel mexicano que a contrata para que utilize métodos legais e ilegais a fim de ajudá-lo a finalmente se tornar a mulher que sempre sonhou ser.
A película é uma adaptação de um conto do romance Écoute, de Boris Razon, no qual um líder do narcotráfico decide passar por uma cirurgia para se tornar mulher como forma de se esconder ou fugir dos problemas que essa vida traz. O diretor francês Jacques Audiard pega essa premissa para abordar temas como transexualidade, identidade de gênero, violência e desaparecimentos causados pelo narcotráfico mexicano, mesclando gêneros cinematográficos como drama, suspense e musical. Parece inovador e relevante, não é? Sim, mas o faz com a profundidade de um pires e de maneira totalmente estereotipada, escondendo uma visão eurocêntrica e branca por trás de uma suposta arte sofisticada.
O filme se apropria de diversos elementos apenas para atrair atenção e dizer: "Olha só, nós nos importamos com essa temática!", mas o faz com um tremendo desrespeito aos mexicanos. A produção possui apenas uma atriz mexicana no elenco principal, mesmo após testes de casting no México. Segundo a diretora de elenco, os atores mais adequados aos papéis foram encontrados em outros lugares. Além disso, exceto por algumas externas filmadas na Cidade do México, o longa foi gravado na França. Some-se a isso o fato de que o diretor afirmou que o espanhol é uma "língua de pobres e imigrantes" e que o roteiro foi escrito exclusivamente por franceses (Jacques Audiard, com colaboração de Thomas Bidegain, Nicolas Livecchi e Léa Mysius), sem consultoria mexicana em nenhum aspecto.
Outro desrespeito do filme ocorre com a comunidade trans, ao tratar a transição de gênero de forma sensacionalista, como se a cirurgia fosse a única resposta possível. Além disso, esse evento resulta na música mais vergonhosa do longa. O filme perde a oportunidade de abordar um tema extremamente relevante de forma interessante, explorando como uma mulher trans conseguiu alcançar sua posição dentro do universo masculino e machista do cartel. Mas, em vez de explorar esse drama, a trama se transforma em um suspense onde, após a cirurgia, Manitas forja sua própria morte e Emília Perez esconde sua identidade da família – como se fosse uma espécie de identidade secreta. Além de socialmente desrespeitoso, esse elemento é totalmente disfuncional dentro da narrativa. Recomendo, como complemento, uma entrevista do site Omelete com jornalistas especializados em cultura pop que se identificam como trans, onde explicam por que acreditam que o filme reforça estereótipos e preconceitos contra a população transgênero.

Além disso, Manitas era um monstro responsável por inúmeras mortes, tanto de pessoas ligadas ao narcotráfico quanto de inocentes. Mas, como Emília Perez, ela muda completamente de caráter e cria uma ONG para buscar desaparecidos com o dinheiro que acumulou matando essas mesmas pessoas – para, no fim, ser literalmente santificada pela população? O roteiro não apenas é fraco e contraditório, como também ofensivo.
Mas nada em Emília Perez é digno de elogios? Algumas coisas, sim. As atuações de Karla Sofía Gascón e, principalmente, de Zoe Saldaña são boas. Saldaña entrega uma performance acima da média, tanto no drama quanto nas coreografias musicais – mas uma andorinha só não faz verão. Os figurinos também merecem destaque, pois foram criados por Anthony Vaccarello, estilista belga-italiano e atual diretor criativo da Yves Saint Laurent (empresa referência em moda de luxo).
Fora isso, há pouco o que elogiar. As músicas podem ter uma montagem relativamente bem feita, com ângulos de câmera interessantes e coreografias bem executadas. Algumas até funcionam dentro do contexto, como El Mal. É verdade que, em um musical, as canções nem sempre precisam ser marcantes, mas sim expressar os sentimentos dos personagens, e a ideia de que as músicas soam como “falas cantadas” é até bem pensada. No entanto, suas letras são fracas demais e utilizam termos que não fazem sentido em espanhol.

No fim das contas, tentar fugir das polêmicas não é a melhor abordagem ao falar deste filme, pois elas simbolizam exatamente o que ele representa: uma retratação estereotipada feita por pessoas que não levam em consideração o próprio povo e a comunidade que dizem respeitar. Além disso, a trama reforça preconceitos, apresenta subtramas inicialmente promissoras que não avançam a narrativa e se esconde atrás de uma suposta ideia de inovação cinematográfica.
Para quem só se importa com números:
Nota= 4/10
Ficha técnica:
Título Original: Emilia Pérez
País de Origem: França
Roteiro: Jacques Audiard, Thomas Bidegain, Nicolas Livecchi e Léa Mysius (baseado em Écoute, romance de Boris Razon)
Direção: Jacques Audiard
Classificação: 16 anos.
Duração: 130 min.
Elenco:
Zoe Saldanã como Rita Mora Castro
Karla Sofía Gáscon como Juan "Manitas" Del Monte/Emilia Pérez
Selena Gomez como Jessi Del Monte
Édgar Ramírez como Gustavo Brun
Adriana Paz como Epifanía
Mark Ivanir como Dr. Wasserman
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