Crítica: "Memórias de um Caracol" (2024)"
- desenhandorecordat
- 26 de fev.
- 3 min de leitura
"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente."
Por: Igor e Iuri Biagioni Rodrigues

"Memórias de um Caracol" é uma animação adulta que aborda temas sensíveis e relevantes como luto, tristeza, solidão, depressão, busca por um propósito, relacionamentos abusivos, fanatismo religioso e esperança. O longa narra a história de Grace que passou por muitos momentos difíceis em sua vida: morte dos pais, separação do irmão gêmeo, família adotiva distante, bullying, casamento tóxico, entre outras coisas. Com tanto problemas, ela pensa em desistir de viver, mas num momento de reflexão decide romper com sua prisão interna (seu casco de Caracol) e viver novamente.
Tecnicamente, todos os elementos contribuem para a construção de uma atmosfera depressiva e claustrofóbica que a película transmite. A animação, em stop-motion, não poupa detalhes e materialidade na sua construção. Nenhum cenário conta com auxílio do digital, o que resulta em poucas transições e movimentações espaciais, reforçando essa sensação de enclausuramento que a narrativa quer evocar. Somando-se a isso a movimentação típica das produções em stop-motion e os tons escuros e terrosos dos cenários, cria-se uma ambientação rústica e opressiva.
O filme retrata uma irmandade, uma relação de companheirismo muito forte entre Grace e seu irmão Gilbert, que desde a infância tinham em si o apoio para enfrentar as dificuldades da vida. Contudo, após sua separação forçada, ambos precisam lutar contra todos os problemas na esperança de um dia se reencontrarem. Porém, eles não estão sozinhos, o longa pode trazer diversas situações tristes e ter um tom melancólico, mas ele também fala sobre amizade. Principalmente entre Grace e Pink, uma senhora de espírito aventureiro. Esta é uma amizade improvável de pessoas de idade totalmente diferentes, mas muito profunda. Aliás, muitas cenas sobre a relação das duas são emocionantes.

Um tópico bem interessante de "Memórias de um Caracol" é que este filme é profundamente influenciado pelo pensamento do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard que entendia que a angústia era o cerne da condição humana. Para este pensador, estado de desorientação e medo que surge da liberdade de escolha e da consciência da possibilidade de nada. A angústia surge da consciência que temos diversas possibilidades de escolha, mas também da incerteza que temos sobre qual caminho seguir. Apesar disso, a angústia não é necessariamente negativa, pois pode estimular o processo de autoconhecimento. Deste modo, somos responsáveis por nossas escolhas e pelas consequências geradas por elas.
Kierkegaard fez uma distinção entre angústia e desespero. Para ele, o desespero é a alienação de si mesmo e surge quando as pessoas não enfrentam a angústia de maneira correta, gerando medo e perda de sentindo e orientação da vida. É exatamente isso que acontece com Grace no filme.
O filósofo valorizava a esperança, pois a entendia como a força que nos permite enfrentar o desespero e encontrar um sentido para nossa vida. Assim, Kierkegaard ensinou que a vida só pode ser compreendida quando olhamos para trás, mas que só pode ser vivida quando olhamos para frente. Além disso, ele explica que a vida não é um problema a ser resolvido, mas uma realidade a ser vivida. Estes dois pensamentos resumem muito bem mensagem deste filme sendo que o primeiro é citado no longa em dois momentos.

No fim, Grace reencontra a esperança e, consequentemente, recupera o desejo de viver e um sentido para sua vida. "Memórias de um Caracol" é um filme muito triste, mas que termina de maneira alegre e esperançosa, lembrando que as piores prisões são aquelas em que nós mesmos nos colocamos. É impossível assistir e sair indiferente a este filme.
Para quem só se importa com números:
Nota- 9/10.
Ficha Técnica:
Título original: Memoir of a Snail
País de origem: Austrália
Roteiro: Adam Elliot
Direção: Adam Elliot
Classificação indicativa: 18 anos
Duração: 95 minutos
Elenco:
Sarah Snook como Grace Pudel
Kodi Smit-McPhee como Gilbert Pudel
Eric Bana como James The Magistrate
Magda Szubanski como Ruth
Dominique Pinon como Percy
Jacki Weaver como Pinky
Nick Cave como Bill Clarke
Iuri e igor é com imenso orgulho que venho aqui prestigia-los meus amigos, acompanho vocês desde de pequenos e fico feliz pelo talento, sabedoria e dedicação. Confesso que a satisfação e alegria para mim é enorme. Parabéns!!
Parabéns Igor e Iuri Biagioni Rodrigues! Excelente texto, ótima Crítica, dá vontade de assistir o filme!
Belíssima crítica de Igor e Iuri Biagioni Rodrigues. Maravisolho observar duas pessoas brilhantes que avaliam e criticam temas de filmes que Henriquecem nossa mente e conhecimento do tema. Ao ler sua crítica do filme, sinto-me motivado a assistir o filme várias vezes para receber as riquezas e limites dele. A clareza de suas afirmações e bela redação, demonstra belíssima capacidade intelectual de ambos. Côn. Bino