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Crítica: “O Menino e a Garça” (2023)

Atualizado: 3 de abr.

A enigmática obra-prima de Hayo Miyazaki.

Por Igor e Iuri Biagioni Rodrigues.


Pela terceira vez, Hayao Miyazaki desistiu de sua aposentadoria para nos brindar com uma obra-prima. O mestre da animação já havia anunciado o fim de sua carreira quando lançou “Princesa Mononoke” (1997), depois com “A Viagem de Chihiro” (2001) e, mais recentemente, com “Vidas ao Vento” (2013). Mas que bom que Miyazaki tinha mais uma grande história para contar com “O Menino e a Garça”. Um filme enigmático, cheio de reflexões, que adapta alguns livros e contos, é uma espécie de auto-homenagem e toca temas profundos sobre a vida e, principalmente, sobre a morte.


O longa nos leva para a Segunda Guerra Mundial, onde vemos o jovem Mahito e sua família passarem por um trauma que os faz mudar para um local distante. Chegando na mansão que agora será sua casa, Mahito além de ter que lidar com a morte da sua mãe, passa a presenciar acontecimentos estranhos, principalmente relacionados a uma Garça que o leva a uma viagem para um mundo fantástico.


Após se aventurar pelo gênero da cinebiografia com “Vidas ao Vento”, Miyazaki volta com o Isekai, gênero fantástico em que o protagonista viaja para um mundo diferente. Nesta animação, temos a criação de um mundo extremamente belo e cheio das características inventivas que o diretor não cansa de elaborar. Aqui, o Studio Ghibli faz o que sempre fez, mostra o poder da animação 2D e todo o seu detalhismo (mas dessa vez com ainda mais esmero: o estúdio, nos filmes de Miyazaki, costumeiramente, levava um mês para animar 10 minutos de filme, mas em “O Menino e a Garça”, isso se reduziu para um minuto em um mês). Os cenários são tão impressionantes que parecem sair de pinturas, tudo isso permeado por personagens marcantes.


Outro ponto que merece destaque é a trilha sonora de Joe Hisaishi. As músicas sabem passar sentimentos de tensão, contemplação, ação, entre outros. Destaque para a faixa "A Feather in the Dusk".



O longa não é linear e sua trama tem uma progressão mais intuitiva. Muito disso se deve ao fato do animador não escrever roteiros para seus filmes, e sim, ir direto para o storyboard. O aspecto do filme ser muito onírico ajuda ainda mais nessa forma de contar histórias de Miyazaki. Além disso, a película é recheada de mistérios que não possuem respostas, tais como: de quem é aquele túmulo que Mahito encontra logo em sua chegada naquele mundo? Por que o mago trouxe pelicanos e periquitos para lá? Por que o Tio Trisavô decidiu ficar naquele mundo para protegê-lo? Como funciona o tempo por lá onde passado e presente coexistem? Mas a ausência de esclarecimentos não são falhas de roteiro. Em outros longas, o diretor já apresentava elementos que não possuíam respostas ou não eram trabalhados de maneira detalhada. Isso ocorre, pois ficamos tão envolvidos com a história principal que percebemos que estas questões não são relevantes.


O filme fala muito sobre a morte. Podemos ver isso não somente com a mãe de Mahito, mas em toda a construção daquele mundo fantástico que é descrito como um lugar em que os vivos convivem com os mortos. Os cenários são inspirados em livros como “Torre Fantasma”, do japonês Edogawa Ranpo, em quadros do italiano Giorgio de Chirico, que gostava de retratar lugares recheados de arcos que simbolizam o limiar entre a vida e a morte em suas pinturas.



Esse tema também resvala na própria vida de Miyazaki. A mãe do cineasta morreu, não quando ele era criança, mas quando já era um consagrado diretor, mas ele sentiu muito sua morte. Miyazaki admirava demais sua mãe, e a considerava uma heroína por ter vencido a tuberculose. Ele já a homenageou outras vezes, como em “Meu amigo Totoro”, através da mãe de Mei e Satsuki.


Outra morte que impactou bastante o diretor e influenciou diretamente no filme, foi a morte do amigo e cofundador do Studio Ghibli, Isao Takahata, que Miyazaki considerava como um mestre. Aliás, o filme, inicialmente, seria sobre a relação de Mahito com o Tio Trisavô, em uma espécie de homenagem à relação mestre e aprendiz do próprio Miyazaki com Takahata. Após a morte dele, o animador decidiu mudar drasticamente o roteiro do filme.



E, por fim, esse filme é sobre a morte do próprio Hayo Miyazaki. O cineasta de 83 anos acredita que já está no fim de sua vida, envelhecer é estar cada vez mais perto de sua morte, e para um artista, não tem como isso não impactar sua arte. Dessa forma, o animador se auto homenageia em segmentos do filme que lembram muito seus filmes anteriores, como por exemplo a aparição de Lady Himi no fogo, que é muito semelhante às aparições de Calcifer em “O Castelo Animado” ou quando Mahito é atacado por faixas que também se assemelha muito a uma cena de “A Viagem de Chihiro”. Tudo isso funcionando como um olhar para trás do animador, contemplando sua trajetória até o momento. E que trajetória...



É interessante mencionar que se fôssemos traduzir o título original de maneira mais literal do japonês para o português, obteríamos “Como Você Vive?” como tradução (título retirado do livro de mesmo nome do japonês Genzaburo Yoshino, além disso, esse livro é um dos favoritos do diretor e até aparece durante o longa).  Isso diz muito mais sobre “O Menino e a Garça”, pois ao longo do filme, refletimos sobre a brevidade da vida, nossa relação com as pessoas com quem convivemos e nossos sentimentos em relação a elas. A trajetória de Mahito e dos outros personagens é repleta de símbolos e momentos que nos fazem pensar sobre como vivemos.


Em “O Menino e a Garça”, vemos Mahito entrando em mundo fantástico. Neste mundo, ele passa por uma jornada de amadurecimento e retorna à sua realidade como uma pessoa melhor. Podemos dizer que o mesmo acontece conosco. Toda vez que assistimos a um filme do Studio Ghibli, somos levados aos belíssimos mundos criados por Miyazaki e seus animadores e, quando saímos da sessão de cinema ou quando vemos os créditos subindo no conforto de nossas casas, saímos como pessoas melhores do que estávamos antes de assistir aos excelentes filmes do estúdio japonês.


"O Menino e a Garça" é uma animação de altíssima qualidade e muito poderosa, pois esta obra de Miyazaki é filosófica. Lembrando que, um filme pode ser considerado filosófico a partir do momento em que sua história problematiza o mundo e o ser humano por intermédio de suas cenas e técnicas cinematográficas. A película nos faz recriar e interpretar os conceitos presentes em seu enredo à nossa maneira. Deste modo, criamos nossos próprios conceitos, e, portanto, filosofamos. (Para os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, filosofar é a capacidade de criar conceitos). Além disso, podemos destacar que para o pensador Julio Cabrera, um filme é filosófico quando sua experiência de pensamento é capaz de afetar quem o assiste. Ele chama este fenômeno de Logopatia que é o impacto emocional causado pelo conceito-imagem do filme em associação com uma reflexão profunda acerca do mesmo. É exatamente isso que ocorre com que assiste este longa!


Finalizando, "O Menino e a Garça" é um ótimo exemplo de filme que não se preocupa de maneira excessiva com o lucro e, sim, em contar uma boa história e passar uma mensagem sobre passagem da juventude para a vida adulta, de autoconhecimento e sobretudo, sobre a vida e a morte. Tudo isso somado com toques autobiográficos do diretor.


Para quem só se importa com números:

Nota- 10/10.


Ficha técnica:

Título original: 君たちはどう生きるか / Kimitachi wa Dō Ikiru ka

País de origem: Japão

Roteiro: Não tem um roteiro formal, pois Miyazaki vai direto no storyboard

Direção: Hayao Miyazaki

Duração: 124 min

Classificação: 12 anos


Vozes Originais:

Soma Santoki como Mahito Maki

Masaki Suda como a Garça

Aimyon como Himi

Yoshino Kimura como Natsuko

Takuya Kimura como Soichi Maki

Shōhei Hino como Tio trisavô

Ko Shibasaki como Kiriko

Jun Kunimura Periquito

Kaoru Kobayashi como Pelicano

Kaoru Kobayashi como Aiko


Versão Brasileira:

Arthur Salerno como Mahito Maki

Sérgio Moreno como a Garça

Ana Helena de Freitas como Himi

Marcia Coutinho como Natsuko

Tarcísio Pureza como Soichi Maki

Guilherme Briggs como Tio trisavô

Teline Carvalho como Kiriko

Rafael Pinheiro PeriquitoRei

Eduardo Borgerth como Pelicano

Marlene Costa como Aiko


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