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Análise e crítica: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022)

  • Foto do escritor: Igor Biagioni Rodrigues
    Igor Biagioni Rodrigues
  • 8 de dez. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de mai. de 2023

Do Niilismo ao surrealismo. Do humor à ação. Tudo isso passando pela metalinguagem.

Por: Igor Biagioni Rodrigues

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Contém spoilers!!!


Quando se há poucos recursos para se realizar algo, é aí que a criatividade aparece. No cinema é assim, e dessa forma, inúmeros clássicos surgiram. Assim Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo aconteceu. Com um orçamento longe do extraordinário, The Daniels (sim, os diretores aqui são os mesmos responsáveis pelo insano clipe de “Turn Down for What”) entregam uma obra-prima.


Sinopse:

“Evelyn (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que passa por dificuldades. Em crise matrimonial, vivendo uma turbulência com a filha e ainda tendo que lidar com as dificuldades de seu negócio, ela é chamada a uma aventura multiversal.” É... sinopses realmente não dizem muita coisa, e ainda bem, porque assistir “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é muito mais do que ver um filme, é presenciar Arte e viver uma experiência.


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Uma breve Análise:

Evelyn é uma mulher chinesa dona de uma lavanderia (prestes a fechar), que vive uma vida monótona. Ela está se divorciando de seu marido, tendo problemas de aceitação com a orientação sexual de sua filha, passando por auditorias devido a intempéries com impostos e esperando a visita de seu pai conservador. No meio de tudo isso, ela descobre que é a chave para salvar o multiverso.


Parece banal ou até nonsense? Inicialmente, sim e seria realmente sem sentido se o longa utilizasse o multiverso apenas para gerar uma grande aventura, mas não é isso que ele faz. Aqui o multiverso é utilizado como uma manobra narrativa para tratar de outros temas, como depressão e aprendizado.


Evelyn é abordada por uma versão diferente de Waymond (Ke Huy Quan), e ele explica para ela o conceito do multiverso. Ele diz que faz parte do Alfaverso, um universo que aprendeu a utilizar o Jump Verse, uma forma de acessar os conhecimentos de suas outras versões do multiverso, e que Evelyn era a chave para combater a grande vilã que destruirá todas as realidades, Jobu Tupaki (Stephanie Hsu).


Descobrimos então que Jobu Tupaki é na verdade Joy (a filha de Evelyn) do Alfaverso. Em um experimento feito pela sua mãe para adquirir o conhecimento de suas outras versões pelo multiverso, absorveu o conhecimento de todas as realidades e a partir disso, passou a ter uma visão cética/niilista da realidade (uma metáfora ao vazio que a geração atual pode sentir diante do acesso facilitado e rápido de tantas informações devido a excessiva tecnologia presente em nossa vida).


Bom, vamos aprofundar mais um pouco nisso. Primeiramente, o que é niilismo? O niilismo é uma corrente filosófica/uma forma de pensamento que possuiu uma visão cética e pessimista do mundo e da realidade. É acreditar que os ditos valores da sociedade não tem sentido, e que a existência não possui uma utilidade.


Jobu Tupaki acredita nisso, ela se viu diante da vastidão dos universos e se percebeu como um nada perto disso. E diante de tal vazio ela pegou todos esses sentimentos e colocou num bagel (um tipo de pão com um furo no meio), não, isso não é aleatório. Um bagel possui uma estrutura circular (algo muito presente em diversos elementos do filme) com um furo no meio, isso simboliza o vazio que Jobu Tupaki sentia. Diante desses problemas, ela só quer mostrar para mãe o que ela sentia, esse vazio enorme. Joy não queria acabar com o multiverso, ela queria acabar consigo mesma, como percebemos quando ela diz “Não quero destruir tudo, só quero me destruir”.


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Jobu Tupaki e o Bagel.

Sim, o filme aborda suicídio. Inicialmente, Evelyn concorda com esse pensamento niilista da filha, mas por causa de Waymond, que diante de tudo diz: “A única coisa que eu sei, é que temos que ser gentis”. Um discurso que pode ser considerado brega mas eu devo discordar. Por causa disso, Evelyn aceita que não somos nada, e que a existência não faz sentido, mas subverte esse pensamento. Como? Olha só o que ela diz para filha: “De todas as realidades que eu poderia estar, não importa qual, eu quero estar aqui com você”. Isso é de uma profundidade imensa, é acreditar que apesar de nossa vida ser insignificante se comparada a um todo, devemos aproveitar os bons momentos das coisas mundanas (Por isso o símbolo da Evelyn é um google eye, um círculo preenchido no meio, o oposto de um bagel). Evelyn passou por uma longa jornada de aceitação de si mesma e de sua vida, ela era considerada sua pior versão, mas é ela que mostra que esse filme é um filme sobre o potencial das pessoas.


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Uma breve crítica:

É impressionante o que Dan Kwan e Dan Scheinert fazem aqui. Utilizando do surreal/extraordinário para falar de sentimentalismos humanos, eles criam sua própria assinatura.


Vamos as atuações. Michelle Yeoh é perfeita. Entregando um humor excelente e um drama tão bom quanto. Ke Huy Quan volta a grande mídia em uma atuação sensacional fazendo com que o personagem coadjuvante seja mais interessante que a protagonista. Stephanie Hsu entrega uma jovem totalmente real, com uma falsa indiferença perante ao mundo e uma angústia gritante. Tudo isso sem comentar sobre a perfeita Jamie Lee Curtis e no incrível James Hong.


Narrativamente falando, a obra é genial. Ela utiliza do nonsense para falar de dramas humanos, e possui uma metalinguagem que utiliza do multiverso para falar de cinema, com referências ao Cinema Chinês (até diminuem o tempo de exposição da câmera nessa realidade, criando “borrões”), à carreira da Michelle Yeoh, aos personagens que Ke Huy Quan interpretava nos anos noventa, aos filmes de Kung Fu, Matrix e a própria linguagem cinematográfica.


Vale ressaltar que utilizam de forma primorosa o Aspect Ratio (proporção de tela de uma imagem bidimensional) usando a mudança do mesmo a favor da narrativa (com ele totalmente aberto, estamos na verdadeira realidade, ele em 16:9 ou 4:3 estamos nas metáforas do multiverso).


Estilisticamente falando, cada universo entrega uma trilha sonora, fotografia, figurinos e maquiagem próprios. (Aproveito aqui para falar que a cena do universo das pedras é a minha favorita). A equipe de Direção de Fotografia e de Arte conseguem muito bem representar a loucura multiversal pensada pelos Daniels.


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Universo das pedras. "Apenas seja uma pedra".

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Universo em que as pessoas tem salsichas no lugar das mãos. Tosco? Pode até ser, mas aqui, a película está falando sobre a atenção com as outras pessoas.

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Universo em que Evelyn é uma renomada artista marcial e atriz de cinema, mas que não fugiu com Waymond para ir para os Estados Unidos.

É difícil resumir um filme que é tão gigantesco (não em relação a minutagem, pois eu a acho necessária e porque ela nos cansa quando realmente quer fazer isso), que fala sobre depressão, conflitos geracionais, problemas familiares, maternidade, imigração, cinema, aprendizado, aceitação e muito mais. Mas o que eu posso dizer é que ele entrega de tudo: seu timing cômico é perfeito, suas cenas de luta são divertidíssimas e ele cumpre seu papel como arte, nos fazendo refletir sobre nossa existência e nossas ações. É realmente uma obra-prima.


Para quem só se importa com números:

Nota-10/10


Ficha técnica:

Título original: Everything Everywhere All at Once.

País de origem: Estados Unidos.

Roteiro: Dan Kwan, Daniel Scheinert.

Direção: Dan Kwan, Daniel Scheinert.

Classificação: 14 anos.

Duração: 140 minutos.


Elenco:

Michelle Yeoh como Evelyn.

Stephanie Hsu como Jobu Tupaki/ Joy.

Ke Huy Quan como Waymond.

Harry Shum Jr como Chad.

Jamie Lee Curtis como Deirdre Beaubeirdre.

Jenny Slate como Debbie the Dog Mom.

James Hong como Gong Gong.

Tallie Medel como Becky Sregor.


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