top of page
  • Foto do escritorIgor Biagioni Rodrigues

Crítica: "O Túmulo do Batman"

Desprezo, crimes, mistério e morte em Gotham.

Por Igor Biagioni Rodrigues

Contestações e questionamentos...

Antes de falar da obra propriamente dita, acho extremamente necessário comentar um pouco sobre um tema bem relevante no mundo artístico (e não só nele). Warren Ellis (roteirista da HQ em questão), foi acusado (comprovadamente) de abusar de mulheres. Não uma vez, mas várias vezes. São mais de sessenta mulheres que assinaram um website (https://www.somanyofus.com/) relatando casos de abuso emocional, assédio sexual e manipulação por parte de Warren Ellis. Não pretendo me alongar muito nisso, porém acho necessário falar sobre essa relação "separar a obra do autor". Já digo que não consigo. Sei reconhecer o valor artístico e a qualidade da obra, mas, para mim, é impossível falar de determinado material, por mais incrível que ele seja, sem falar da pessoa horrível por trás dele. Depois que Nobuhiro Watsuki foi preso por posse de pornografia infantil, nunca mais consegui assistir/ler Samurai X da mesma forma, e era uma obra que eu gostava demais. O mesmo aconteceu com Harry Potter, desde as declarações transfóbicas de J. K. Rowling. Esse mundo mágico perdeu parte de sua magia para mim.


Alguns podem até dizer, e eu até mesmo já pensei isso: "Ah, mas o Ellis não fez seus quadrinhos sozinhos, existe uma equipe por trás: desenhistas, arte-finalistas,letristas, editores, coloristas..." mas até que ponto a arte justifica as atrocidades cometidas pelo artista? Enfim, gostaria de recomendar a coluna "Os homens horríveis e suas obras incríveis" escrita pelo Érico Assis para o Blog da Companhia, caso vocês queiram pensar mais sobre o assunto.


Bom, vamos falar sobre o quadrinho. As histórias em quadrinhos de super-herói são as que mais movimentam o mercado há anos. Inúmeras revistas são lançadas, mensalmente/semanalmente durante décadas. As editoras comandam o rumo das histórias que vem acontecendo durante 60 anos e é nisso que se encontra a parte chata de ler esse tipo de quadrinho: a continuidade. Por exemplo: para entender o quadrinho do "personagem x" você tem que ter lido a história da equipe "y", tudo isso enquanto acontece a mega saga "z". Então, quando temos uma história fora do cânone, é um alívio, pois são histórias fechadas em si mesmas e que você não precisa ter lido várias outras HQs para entender a trama dessa. Tudo começa e termina ali mesmo. "O Túmulo do Batman" é uma dessas histórias fora do cânone. É uma ótima leitura para quem já conhece o personagem e leu muito dele e/ou para quem quer começar agora.


Ellis criou um termo: "narrativa widescreen", que virou um movimento nos quadrinhos e ele, juntamente com Bryan Hitch, foram os expoentes. Esse modelo de narrativa consiste em ser como grandes blockbusters (filmes de grandes bilheterias, os famosos arrasa quarteirões) de ação, mas se aproveitando do fato de que, diferentemente, do cinema, os quadrinhos não precisam de grandes orçamentos para produzir cenas de ação grandiosas e explosões maiores ainda. A obra em questão se enquadra exatamente nesse modelo. Warren possui uma narrativa fluida que combinada com os ótimos desenhos de Hitch, entregam um dos melhores quadrinhos do Cavaleiro das Trevas dos últimos anos.


Originalmente publicada nos Estados Unidos entre 2019 e 2020, "O Túmulo do Batman", é uma história de 12 edições em que vemos o Batman investigando vários assassinatos e crimes que, aparentemente, eram desconexos mas logo se mostram parte de algo bem maior. Enquanto isso, novas ameaças assolam Gotham City.


A HQ possui um tom noir e de investigação. Aqui, não temos um Batman 100% preparado para todas as situações e nem um Batman que com um simples apetrecho retirado do seu cinto derrota deuses. Não, nessa história temos um Batman bem mais humano, que sofre em cada luta, que apanha demais, que se cansa e que passa por problemas. É um Batman que remete muito às histórias do anos 1970 (uma das melhores versões do personagem), esse "tipo" de Batman que é muito esquecido, é um dos fatores que faz a leitura ser tão divertida.


Esse peso é sentido em cada batalha graças à arte de Bryan Hitch. Sentimos a fisicalidade em cada combate, é como se pudéssemos sentir os golpes, impactos e dores nas batalhas. O herói aqui não é uma máquina gigante de músculos, mas é perceptível que está no auge de sua capacidade física. Tudo isso faz com que as sequências de lutas sejam uma das melhores que já vi nos quadrinhos.


A trama traz tudo o que gostamos em uma história do Cruzado Encapuzado: Mistério, ação, um Batman detetivesco, a desconfiança da polícia para com o Morcego e ótimos personagens coadjuvantes. Aliás, é na relação desses personagens que se encontra o ouro do quadrinho. A relação do herói com o Comissário Gordon é muito bem trabalhada, com os dois trabalhando lado a lado mas com a distância necessária. No entanto, a melhor interação do Batman ocorre com o melhor personagem dessa história, o Alfred. Aqui, ele é muito mais do que um mordomo robotizado, ele ajuda Bruce em suas pesquisas, possui um senso de humor e sarcasmo excelentes, funciona como guia do leitor durante os acontecimentos e questiona o herói várias vezes. Esses questionamentos são de uma ótima sagacidade do roteiro, em que Ellis (que não gosta muito do Batman) faz através do mordomo inglês as perguntas e questionamentos que sempre nos fazemos: "Não existem outras maneiras de Bruce Wayne melhorar Gotham do que sair por aí vestido de Morcego?" "O Batman não é só um rico que sai por aí batendo em gente pobre"?,etc. (A conversa com o Dr. Arkham também é um desses momentos que colocam um sorriso no nosso rosto, assim como as conversas com Pennyworth). O Alfred se mostra como um personagem muito interessante, fazendo questionamento sociais, vivendo na mansão como se fosse dele, bebendo, defendendo o porte de armas, escondendo armas pela casa, dizendo que em uma guerra como a que seu patrão luta, elas são como ferramentas, e até mesmo comentando que não foi uma arma que matou o Thomas e Martha Wayne, e sim, um homem.

Outro aspecto extremamente inteligente do roteiro é mostrar como Batman faz suas investigações: "Entrando na mente da vítima". Desde o início, Batman é um detetive. Uma pessoa extremamente inteligente, com vários recursos e com uma capacidade lógica incrível para desvendar crimes. Na humilde opinião de quem vos escreve, essas histórias de mistério do Morcegão, são as melhores.


Tecnicamente falando, o quadrinho é belíssimo. A narrativa inteligente de Warren Ellis, combinada com a arte de Bryan Hitch, com seus enquadramentos e splash pages dignos de cinema, somada ao ótimo trabalho de cores de Alex Sinclair que valoriza a arte de hitch e que está perfeitamente alinhado com o tom da trama, além disso, vale ressaltar que a alteração da paleta de cores dependendo de determinada situação é brilhante, faz com que a obra seja um espetáculo visual e narrativo.


Ellis e Hitch foram ousados ao não utilizar nenhum vilão da extensa (e ótima) galeria de vilões do Cavaleiro das Trevas (fora a pequena participação de um que não é tão conhecido assim pelo público em geral, mas não direi qual para evitar spoilers). Eles decidiram criar seu próprio grande vilão para a trama, que apesar de ter um arco simplório, funciona.

Em suma, "O Túmulo do Batman" é um excelente quadrinho, um dos melhores do herói nos últimos anos. É uma boa pedida para antigos e novos leitores. Sua trama é inteligente e intrigante, seu final se amarra com seu início de forma harmoniosa, sua arte é um espetáculo à parte e as suas cenas de ação e lutas não ficam para trás de qualquer ótimo filme do gênero (ação). É uma pena que um quadrinho tão excepcional assim acabe sendo manchado pelas atrocidades de seu roteirista.


Para quem só se importa com números:

Nota- 9/10


Dados da HQ:

Roteiro: Warren Ellis

Arte: Bryan Hitch

Arte-Final: Kevin Nowlan

Cores: Alex Sinclair

Capas: Bryan Hitch, Alex Sinclair

Editoria: Marie Javins, Andrew Marino

Letras: Valéria Calipo

Tradução: Diogo Prado

Adaptação e edição: Pedro Catarino

Editora: DC Comics

Data original de publicação: outubro de 2019 a dezembro de 2020

Editora no Brasil: Panini Comics (em 2 volumes)

Páginas: 300 (somando os dois volumes lançados pela Panini)




34 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page