Crítica: Bíblia em Ação - A História da Salvação do Mundo
- Iuri Biagioni Rodrigues
- 15 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
As Sagradas Escrituras através de vinhetas
Por: Iuri Biagioni Rodrigues

A Bíblia é um dos livros mais influentes e tradicionais do Ocidente, mas durante muito tempo, sua leitura e interpretação foram restritas aos membros do clero. Com a Reforma Protestante, líderes como Martinho Lutero passaram a defender que todas as pessoas tivessem acesso à Bíblia e pudessem fazer sua livre interpretação. Os séculos se passaram, e o livro sagrado do cristianismo foi adaptado de diversas formas, em diferentes mídias. Os quadrinhos não ficaram de fora. A Bíblia em Ação é um bom exemplo disso.
Bíblia em Ação foi produzida pelo quadrinista brasileiro Sergio Cariello com base na versão . Cariello foi chamado pela editora cristã David C. Cook dos Estados Unidos, uma das maiores do ramo, para desenvolver este projeto. Percebemos que trata-se de um quadrinho como produção religiosa e de caráter confessional. A adaptação vai do Gênesis ao Apocalipse em mais de 700 páginas (na versão tradicional, que é objeto da presente crítica).

Nos EUA, a obra fez bastante sucesso. A primeira versão foi publicada em 2010 e, em 2021, o material ganhou uma versão ampliada. Segundo a editora David C. Cook, as vendas destas duas edições somavam mais de 2,5 milhões de exemplares em 2022! No Brasil, a Bíblia em Ação foi publicada pela editora Geográfica pela primeira vez em 2011, e a versão ampliada chegou em 2024, porém não temos os dados de vendas por aqui.

Você deve estar se perguntando se esta versão em quadrinhos da bíblia é boa, já que vendeu muito, não é mesmo? E a resposta é: sim, a Bíblia em Ação é muito boa (lembrando que sucesso nem sempre significa qualidade). Vale destacar que ela adapta a versão protestante, portanto, não possui os livros de Tobias, Judite, Macabeus 1 e 2, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc e nem algumas partes dos livros de Ester e Daniel que estão presentes na versão católica. Contudo, independente da sua crença, ou ausência dela, este quadrinho pode ser lido por qualquer pessoa, pois é um trabalho muito bem feito. Além disso, a bíblia é uma fonte histórica e um rico material para pesquisa que em quadrinhos ganha uma leitura dinâmica e divertida, sem a rigidez e complexidade do texto tradicional.

Um aspecto muito positivo deste trabalho está nas escolhas de Sergio Cariello, que soube equilibrar bem sua visão com o que está escrito na bíblia. Sabemos que, muitas vezes, o texto bíblico é lacônico, ou seja, não dá muitos detalhes sobre certos fatos e pessoas.Por isso, é comum que as pessoas autoras de adaptações adotem liberdades criativas para preencher essas lacunas ou desenvolver com mais detalhes determinadas partes da história. O problema é que, às vezes, as decisões tomadas acabam atrapalhando, em vez de ajudar. No meu ponto vista, Cariello soube fugir destas armadilhas. O quadrinista transpôs algumas passagens em poucos quadros ou apenas em splash pages (páginas que funcionam como uma única vinheta) mantendo o tom de síntese que o material exige. Outrossim, ele soube dosar a quantidade de textos nos balões e recordatórios para manter a leitura o mais fluida possível.

Outro acerto está na maneira de representar livros que seriam mais complicados de se adaptar, como Salmos e Provérbios. Sabe-se que Davi é creditado como o autor da maioria dos Salmos, e assim o vemos compondo alguns deles quando sua história está sendo contada na adaptação do livro de Samuel. O mesmo acontece com Salomão, atribuído como o principal autor dos provérbios, quando o vemos escrevendo algumas destas passagens durante a narração de seus feitos em Reis e Crônicas. No novo testamento, a representação de Jesus, embora distante do Jesus histórico, é bem melhor do que o típico loiro de olhos azuis.

A arte de Cariello é ótima. Ele consegue criar páginas impactantes, com belos cenários, batalhas, milagres, ações divinas e personagens marcantes que reforçam o caráter épico e grandioso que uma adaptação religiosa exige. Como os quadrinhos utilizam linguagem verbal e não verbal, eles conseguem comunicar situações narradas na Bíblia de maneiras mais eficientes do que apenas a linguagem falada e escrita, facilitando a compreensão do que,muitas vezes, parece abstrato na leitura do texto original e nas pregações. De acordo com Rudolf Otto no livro, “O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional”, o sagrado “somente poderá ser indicado pela reação especial de sentido desencadeado na psique” e as imagens com cores fortes, vibrantes e bem dispostas em sequência neste quadrinho conseguem expressar aquilo que é difícil de ser descrito, agindo na imaginação das pessoas, podendo auxiliar na interação com a divindade, para aqueles que acreditam.
Entre os aspectos negativos que podem ser mencionados estão alguns equívocos de interpretação ou adaptações literais como o tamanho do “gigante” Golias, e também a ausência de partes mais complexas e a brevidade de algumas passagens importantes, como a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Aliás, mesmo sabendo que o Antigo Testamento é maior do que o Novo, acredito que algumas partes do Novo Testamento poderiam ser mais detalhadas, pois ficamos com a sensação de que cabia algo mais, como algumas passagens do Apocalipse que ficou com apenas 3 páginas de adaptação.

Em síntese, a Bíblia em Ação é uma ótima adaptação, que certamente irá agradar protestantes, católicos e demais interessados pelo assunto, de todas as idades, por ser uma leitura agradável e divertida. Devido à sua linguagem acessível e ao belo trabalho de arte de Sergio Cariello, o material pode ser muito bem aproveitado na catequese, ensino confirmatório, discipulado e/ou qualquer outra forma de ensino bíblico e religioso, despertando o interesse do público infantojuvenil e servindo como porta de entrada para a leitura da Bíblia.
Para quem só se importa com números:
Nota: 8/10
Dados da HQ:
Título original: Action Bible
Roteiro: Sergio Cariello
Arte: Sergio Cariello
Cores: Patrick Gama, Wellington Marçal, Priscila Ribeiro, Fabrício Guerra, Maxflan Araujo e Alex Guim
Editora Original: David C. Cook
Editor original: Doug Mauss
Editora no Brasil: Geográfica
Editor no Brasil: Marcos Simas
Tradução: Ana Paula Garcia Spolon e Jorge Camargo
Nº de páginas: 752
A Escritura Sagrada, de fato, por ser de inspiração Divina, segundo a fé judaico-cristã, necessita certo cuidado quanto à livre interpretação, pois, há uma autoridade Divina dada por Revelação à Igreja. Uma coisa é narrar o texto como se é lindo e outra o texto servir como Revelação de um Deus envolvido com a libertação de seu Povo. Contudo, como bem a crítica narra, é muito útil nos dois casos: tornar conhecida a Palavra e, ao mesmo tempo, expressar o conteúdo da autenticada Revelação Divina.
Parabéns pela belíssima exposição Iuri.
Bino